A história da Estrada de Ferro Morro Velho

O bonde de Morro Velho, puxado por locomotiva elétrica, anos 1960 (Foto Leonardo Bloomfield, anos 1960).

A rica jazida de ouro que daria origem à Mina de Morro Velho, localizada em Nova Lima (MG), foi descoberta em 1814. Em 1830 ela foi adquirida pela empresa inglesa St. John d'El Rei Mining Company Ltd., que inaugurou a mina em 1834. Logo ela se revelou um empreendimento muito lucrativo, como se pode deduzir a partir das dimensões que assumiu ao longo do tempo: ela se tornou a mina mais profunda do mundo, com 2.500 metros de profundidade e 4.000 metros de extensão, o que a tornou mundialmente famosa já no início do século XX.

, Outros bondes na espera (Foto Leonardo Bloomfield, anos 1960).

Nova Lima fica a aproximadamente dez quilômetros do centro de Belo Horizonte em linha reta. Contudo, no início do século XX, o acesso entre a capital mineira e essa localidade era feito de trem até a estação de Raposos, via General Carneiro e Sabará. Só esse trajeto apresentava 34 quilômetros de extensão, já que as linhas de bitola métrica da E.F. Central do Brasil contornavam o difícil relevo da região e eram muito limitadas do ponto de vista técnico. De Raposos até Nova Lima eram mais oito quilômetros, totalizando portanto 42 quilômetros a partir de Belo Horizonte.

Carro de passageiros fechado (Fotos Leonardo Bloomfield, anos 1960)

A estação de Raposos foi inaugurada em 1891 na linha do Centro da E. F. Central do Brasil. Desta estação saía uma linha de bondes elétricos da St. John Del Rey Mining Co., que administrava a Mina de Ouro Morro Velho, com um percurso de 9,5 km que partia da plataforma da estação e a ligava à cidade de Nova Lima. A mina existia desde 1830.

O bonde em 1957 (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE, 1958. Cessão: Jorge A. Ferreira).

Antonio Gorni escreve que '"a idéia de se construir uma linha férrea entre a estação ferroviária de Raposos e Nova Lima surgiu da necessidade de facilitar o acesso de máquinas, equipamentos e insumos à mina, cuja expansão era cada vez maior. Além disso, o crescimento da mina havia resultado num grande aumento do número dos operários que nela trabalhavam, criando problemas habitacionais na região. A administração da Mina de Morro Velho constituiu a The Morro Velho Railway Co. no final da primeira década do século XX com o objetivo de se concretizar essa ligação, que recebeu o privilégio de explorar essa concessão por cinqüenta anos. Suas obras se iniciaram a 30 de Março de 1911. Não há certeza quanto à data da inauguração dessa ferrovia: Waldemar Stiel e Allen Morrison citam 25 de março de 1913, enquanto que Demerval Pimenta informa 3 de Abril de 1914.
 
Transporte de caixão funerário (Revista o Cruzeiro, 11/10/1958, acervo Manoel Monachesi , cortesia Jorge A. Ferreira).

Como era comum na época, as condições técnicas da linha não eram das melhores: bitola de 0,66 m e curvas de até 47 m de raio. Contudo, apresentava uma grande inovação para as ferrovias brasileiras: ela já iniciou sua operação totalmente eletrificada, fato raríssimo no país. Ela também foi a segunda ferrovia a usar tração elétrica no Brasil, sendo precedida somente pela E.F. Corcovado. 

Transporte de caixas com barras de ouro (Revista o Cruzeiro, 11/10/1958, acervo Manoel Monachesi , cortesia Jorge A. Ferreira).

Certamente a eletrificação da E.F. Morro Velho decorreu da abundância de energia elétrica na região, uma vez que a mina dispunha de uma usina hidrelétrica própria. Esses recursos permitima dispensar o uso da lenha na ferrovia, que vinha se tornando cada vez mais cara e escassa a partir do início do século XX, e do carvão importado, de custo proibitivo. O material rodante foi fornecido pela General Electric, que estava se revelando uma potência dominante na área da tração elétrica e que teria um brilhante desempenho nas ferrovias brasileiras. A E.F. Morro Velho adquiriu sete locomotivas, sendo quatro de 4 t e três de 3,75, seis carros-reboque abertos e quatorze vagões. 

Casal no interior do trem (Revista o Cruzeiro, 11/10/1958, acervo Manoel Monachesi , cortesia Jorge A. Ferreira).

O serviço de passageiros entre as duas localidades era público, embora predominasse o transporte gratuito dos empregados da mina; uma composição circulava entre elas de quarenta em quarenta minutos. A estrada também servia um pequeno povoado no meio do percurso chamado Galo, onde a Companhia Morro Velho tinha uma fábrica de arsênico. Três vezes por mês o serviço era interrompido, tropas ocupavam toda a linha e composições especiais circulavam por ela levando lingotes de ouro que eram baldeados para trens da Central do Brasil rumo ao Rio de Janeiro. 

Trem sendo puxado pela pequena locomotiva (Revista o Cruzeiro, 11/10/1958, acervo Manoel Monachesi , cortesia Jorge A. Ferreira).

A concorrência rodoviária fez com que o transporte de passageiros pela E.F. Morro Velho definhasse ao longo das décadas de 1950 e 1960. O serviço passou a ficar cada vez menos atrativo do ponto de vista econômico, até que a Companhia Morro Velho decidiu desativá-lo no último dia de 1964, alegando prejuízos e a irregularidade jurídica da operação da ferrovia, cuja concessão havia vencido e não havia sido renovada. O anúncio da paralisação provocou ameaça de greve por parte dos funcionários da empresa; a Prefeitura de Nova Lima então o assumiu em 1° de Janeiro de 1965. Apesar de toda a resistência, em 1970 a ferrovia foi suprimida, seus trilhos arrancados e substituídos por uma rodovia. Não há notícias sobre preservação de locomotivas ou carros que foram usados nessa linha".

Cena do trem da Morro Velho no seu percurso (Revista o Cruzeiro, 11/10/1958, acervo Manoel Monachesi , cortesia Jorge A. Ferreira).

Ficha técnica:

Nome: E. F. de Morro Velho
Bitola: 0,66 m (1)
Extensão: 9,5 km (4); 8,0 km (1)
Data de início das atividades: 1913 (2); 1914 (3)
Desativação: 1970 (1)
Proprietários identificados: The Morro Velho Railway Co.

(1) segundo Antonio Gorni, em www.efbrazil.eng.br
(2) segundo W. Stiel e Allen Morrison
(3) segundo Demerval Pimenta
(4) segundo Max Vasconcellos, em 1928


Cena do trem da Morro Velho no seu percurso (Revista o Cruzeiro, 11/10/1958, acervo Manoel Monachesi , cortesia Jorge A. Ferreira).

Referências:

Site da internet - http://www.pell.portland.or.us/~efbrazil/electro/efmv.html - acessado em 25/01/2017

Site da internet - http://www.estacoesferroviarias.com.br/ferroviaspart_rj/efmorrovelho.htm - acessado em 25/01/2017

ANON. E.F. Morro Velho. Estradas de Ferro do Brasil - 1945, Suplemento da Revista Ferroviária, 1945, p. 146.

COELHO, E. Explorando os Caminhos do Ouro: a E.F. Morro Velho. Revista Ferroviária, Setembro 1988, p. 60.

FRANCO, J. O Trenzinho de Ouro. O Cruzeiro, 11 de Outubro de 1958, p. 70-74.

MORRISON, A. The Tramways of Brazil - A 130-Year Survey, Bonde Press, New York, 1989, p. 79.

PIMENTA, D.J. Estradas de Ferro Eletrificadas do Brasil, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Rede Mineira de Viação, Janeiro de 1957. 80 p.

STIEL, W.C. História do Transporte Urbano no Brasil. Editora Pini Ltda, Brasília, 1984, pág. 278-280.

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